Maternidade Lucrécia Paim pode ser transformada em escola
A directora-geral da Maternidade Lucrécia Paim, Manuela Mendes, diz que, por ser um hospital de referência, a aposta é transformá-lo numa escola. “Queremos ter equipas capazes para dar continuidade ao processo de formação, abrindo novas valências”, garante. Segundo a médica, A Maternidade tem a capacidade de realizar 50 partos por dia. Mas, diariamente, são feitos 150. “O internamento tem capacidade para 300 camas, mas estão 500 pacientes. Por força da procura, algumas estão a ser acompanhados nos corredores e em outras áreas administrativas”, disse.
Como médica, que experiência pode relatar, desde que apostou na profissão?
Comecei a trabalhar na saúde materna há muito tempo, na altura tinha 19 anos. Depois de terminar o curso de Enfermagem, na especialidade de obstetrícia, consegui o primeiro emprego na Maternidade Lucrécia Paim. Mais tarde, conclui o curso de Medicina e depois passei a dar aulas na universidade Agostinho Neto, apesar de ter dedicado também a minha vida a clínica privada. Justamente quando preparava a minha aposentadoria, fui indicada para ocupar o cargo de directora desta unidade hospitalar.
E como tem sido este novo desafio?
Há três anos neste cargo, tenho feito de tudo para ajudar os mais jovens, criando condições para que a formação deles seja a mais séria possível, para poderem ajudar com dignidade as mulheres que acorrem à maternidade.
O que é ser obstetra em Angola?
É muito difícil exercer a profissão de Obstetrícia em qualquer parte do mundo, pelo facto de enfrentar muitos processos criminais, devido à sua complexidade, com a responsabilidade de ter dois pacientes ao mesmo tempo a serem atendidos, a mãe e filho. Em muitos casos, quan-do uma mulher vai ter o bebé, a família prepara uma festa. Quando o desfecho é negativo, há desilusão total e a tendência dos familiares é sempre culpar quem esteve a cuidar dela.
Como tem sido lidar com esta responsabilidade?
Apesar de todas as dificuldades, o nosso trabalho tem sido feito para não termos desfechos negativos. Sabemos que uma das grandes causas da desestruturação familiar acontece quando se perde a mãe, daí que a responsabilidade é grande. Ainda bem que o Governo tem como prioridade a saúde materno-infantil, uma medida que serve para evitar e prevenir mortes nesta condição. Pensamos que estamos num bom caminho, mas ainda temos uma longa caminhada.
Que dificuldades ou desafios encontrou na maternidade, desde que assumiu o cargo?
A principal dificuldade foi ter encontrado um grupo de médicos com idade avançada e sem capacidade de aguentar os bancos. Outra situação era quase a inexistência de parteiras. As que tínhamos estavam em idade de reforma. Isso fazia com que o trabalho não tivesse a eficácia devida. Iniciamos com o projecto de formação de parteiras, com jovens de até 30 anos, que terminou há pouco tempo. Também intensificamos a formação de 60 especialistas nesta área.
Quantas parteiras a maternidade tinha disponível?
Estávamos apenas com cerca de 40 parteiras, mas em idade de reforma. As antigas tiveram de ser contratadas para formar as mais jovens. Neste momento temos 40 delas já formadas, mas o número ainda é insuficiente, porque pretendemos que elas também se espalhem pelas comunidades, não só em Luanda, como também em outras províncias. Devido a essa situação, temos agendado para o próximo mês um outro curso, para acudir a essas dificuldades.
Conseguiu, a sua gestão, melhorar algumas condições na Maternidade?
Sou um pouco suspeita para falar da melhoria das condições na maternidade, mas a verdade é que a equipa formada fez melhorar muito o atendimento.
Que metas pretende atingir?
Queremos ter equipas capazes de dar continuidade ao processo de formação, abrindo novas valências. Por ser um hospital de referência, pretendemos transformar essa unidade numa escola.
A quantidade de quadros, de técnicos satisfaz?
A maternidade tem, neste momento, 900 funcionários, divididos por 53 médicos especialistas, 386 enfermeiros, directores, entre outros funcionários administrativos. Mas precisamos de duplicar o número de médicos e enfermeiros, para que o atendimento seja mais eficaz.
Como está a capacidade de atendimento, de internamento?
A maternidade tem a capacidade de realizar 50 partos por dia. Mas, diariamente, são feitos 150. O internamento tem capacidade para 300 camas, mas estão internadas 500 pacientes. Por força da procura, algumas estão a ser acompanhadas nos corredores e em outras áreas administrativas.
E as condições do berçário?
Ao berçário só vão crianças que necessitam de tratamento. Temos muitos bebés que nascem prematuros. Criámos um serviço de cuidados intensivos neonatal, mas o grande problema é a ausência de recursos humanos.
E qual é a doença mais frequente em bebés?
A doença mais frequente, que leva as crianças à UTI, é causada pela hipertensão materna, pelo facto de as mulheres grávidas terem a tensão arterial alta. Quando não são trata-das convenientemente, o bebé não cresce e acabam por nascer prematuros.
E como pode essa situação ser revertida?
As mulheres grávidas devem fazer um pré-natal sério, para identificar se são pacientes com riscos de tensão arterial, para serem seguidas de forma adequada e parirem os bebés no tempo previsto e saudáveis.
O registo de mortes é preocupante?
A taxa de natalidade neonatal tem variado muito. Morre-se mais após o nascimento. Mas alguns bebés chegam à Maternidade sem vida, de-vido à falta de tratamento durante o período de gestação, além de existirem situações inerentes ou inespe- radas, como o escoamento da placenta, stress materno e do trabalho.
Que tipo de responsabilidades podem ser atribuídas às mães e aos técnicos de saúde?
Há várias causas de morte que têm de ser levadas em conta. Existe a responsabilidade da paciente, que pode ser causada pela ignorância, de não acorrer à unidade sanitária atempadamente. Por problema institucional, pode acontecer pelo atendimento tardio da paciente, que encontra a unidade sobrelotada.
Pela experiência que tem, qual é a diferença entre o trabalho prestado na instituição pública e na privada?
Quando foi autorizada a medicina privada em Angola, em determinado momento, tendo em conta as dificuldades financeiras, tive de apostar neste ramo, criei um pequeno consultório em minha casa, que foi crescendo paulatinamente. O nível de fluxo e os meios disponíveis para se fazer o diagnóstico torna o trabalho das clínicas mais eficazes. Mas a Maternidade Lucrécia Paim é um hospital que não deixa nada a desejar, em qualquer parte do mundo.
O planeamento familiar tem sido uma prática frequente no país?
É preciso que se faça um grande trabalho de sensibilização, para que as mulheres adiram às consultas de planeamento familiar nas unidades hospitalares, porque se tem registado pouca adesão. É importante referir que o planeamento familiar não serve apenas para determinar o número de filhos que a mãe deve ter, mas também instruir sobre o intervalo necessário para fazer outros filhos. Quando a gravidez é repetida com um intervalo intergenésico traz graves consequências à saúde e a mulher vai se desgastando mais rápido.
Qual é o intervalo aconselhável?
O tempo aconselhável para uma mãe ter filhos é de três em três anos.
Em que situações são mais frequentes os partos de cesariana?
Nos últimos tempos, temos tido um número elevado de mulheres a fazer filhos na adolescência, por isso recorrem à cesariana. Além de situações provocadas pela hipertensão arterial, hemorragias e o sofrimento fetal, que geralmente acontece quando as mães ficam muito tempo a tentar ter o bebé em casa, mas acabam por ir ao hospital com a criança já em mau estado de saúde dentro da barriga.
Quantos partos por cesariana realiza a Maternidade?
A Maternidade faz cerca de 50 partos por cesariana por dia, sendo considerado um número elevado. A situação ocorre porque muitos partos difíceis são encaminhados para aqui, inclusive os da província do Bengo e Cuanza Norte. Além da cesariana, temos recebido também pacientes para outras cirurgias, como a gravidez ectópica e infecções pós-parto.
Como avalia o atendimento na Maternidade?
Defendemos que a prioridade deve ser a criação de condições nos centros de saúde periféricos, para que as mu-lheres consigam ser tratadas em tempo útil, não interessa ter apenas condições num único hospital. Enquanto esse sistema não funcionar efectivamente, vamos ter muitas dificuldades no atendimento. Só nas urgências recebemos cerca de 200 pa-cientes por dia.
A mulher chega a ser abandonada pelo marido
A gravidez por inseminação no país já é possível?
Ainda não é possível, porque estamos num processo de aprovação da Lei. É um mecanismo muito caro, não é 100 por cento eficaz, em 100 tentativas feitas, apenas 40 delas resultam.
Nos últimos tempos, tem sido frequente bebés nascerem com malformação congénita. A partir de que mês da gestação é possível detectar esses sinais?
Depende da malformação. Umas vão-se desenvolvendo ao longo da gravidez. Às vezes as mulheres fazem ecografias num período em que ainda não é detectado. Por isso são geralmente diagnosticadas depois do parto.
Defende a interrupção da gravidez, em caso de malformação congénita irreversível?
Se for incompatível com a vida, sim. A anencefalia é uma das situações recomendáveis para o efeito. Se os pais estiverem de acordo, pode-se fazer a interrupção da gravidez.
Como tem corrido a campanha de operação a mulheres com fístulas obstétricas?
A fístula obstétrica é uma complicação causada pelo parto abandonado, quando mulheres ficam muitas horas em trabalho de parto, pelo facto de o bebé ter permanecido durante horas entre a bexiga e o recto. A necrose destes tecidos causa problemas em que a vagina vai vertendo fezes e urina espontaneamente.
É uma situação difícil?
É uma situação muito triste para as mulheres que sofrem deste problema, porque, devido à situação de mau cheiro, são abandonadas pelo marido e pela família. É uma doença frequente em países subdesenvolvidos. Criamos um bloco operatório na maternidade para atender a esses casos, porque são pessoas de baixa renda e com dificuldades em aceder aos serviços de saúde.
Como é feita essa campanha?
Todos os dias fazemos esse tipo de operação. Temos, inclusive, feito campanhas para o efeito em várias províncias do país. Calcula-se que Angola tem oito mil mulheres com esse problema.
Há muitos casos de mulheres grávidas com Covid-19?
O número de mulheres grávidas com Covid-19 tem aumentado significativamente, muitas delas acabam por falecer. Ficam internadas numa área específica. Aconselhamos as mulheres e os maridos a terem mais cuidado. A prevenção é o que nos resta. Sejam mais responsáveis.
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