RDC/CRISE: KABILA PRENUNCIA INSTABILIDADE POLÍTICA COM CONSEQUÊNCIAS INCALCULÁVEIS PARA O PAÍS

 Kinshasa - O antigo Presidente da República Democrática do Congo (RDC), Joseph Kabila Kabange, endereçou mensagens musculadas a alguns chefes de Estado e chefes de missões diplomáticas acreditados em Kinshasa, prevendo possíveis nefastas consequências incalculáveis para o país, escreve o jornal “Jeune Afrique”, na sua edição de quinta-feira, 12 de Novembro de 2020.

Nas mensagens, indica o jornal, Kabia, líder da plataforma Frente Comum para o Congo (FCC), acusa o Presidente Félix Tshisekedi de querer afastar a FCC do “jogo político”.

Segundo aquele órgão de informação africano, pouco depois de Tshisekedi ter iniciado consultas visando a formação de uma “União Sagrada”, Joseph Kabila desencadeou uma acção diplomática, remetendo pessoalmente cartas aos embaixadores da África do Sul, do Quênia e do Egipto, para os Presidentes desses países, que aponta como os garantes do acordo de coligação governamental FCC-CACH, bem como à representante da MONUSCO na RDC, que deve entregar o correio ao secretário-geral da ONU, António Guterres.

Joseph Kabila orientou também o seu antigo ministro dos Negócios estrangeiros, Léonard She Okitundu, a remeter as mesmas mensagens aos embaixadores de alguns países membros da SADC, tais como os de Angola, Zimbabwe, Zâmbia, Namíbia e Tanzânia, assim como ao núncio apostólico, em Kinshasa.

“Lendo nas entrelinhas, nota-se que nas suas mensagens, Joseph Kabila previne a sociedade internacional que ele não será responsável por uma possível instabilidade com consequências incalculáveis para o país”, escreve o “Jeune Afrique”.

“Por enquanto, a minha intenção é a de informar sobre esta deplorável situação”, indica Kabila nas respectivas mensagens, apelando aos seus interlocutores a fazerem o que puderem, “para ajudar os congoleses a conseguirem o funcionamento das instituições conforme a Constituição e o acordo assinado pela coligação, e evitar à RDC a perspectiva de uma instabilidade com consequências incalculáveis”.

O jornal, que teve acesso ao documento, escreve: “para aqueles que sabem medir o teor deste tipo de correspondência diplomática, trata-se de uma acusação feita contra as consultas iniciadas por Félix Tshisekedi, com o objectivo de formar uma futura União Sagrada da Nação; trata-se de uma declaração de guerra que não diz o seu nome”, alega o diário africano.

Exército exorta políticos a não influenciarem os militares

Por causa da tensão que aumenta entra Félix Thsisekedi e o seu predecessor, Joseph Kabila, o porta-voz das Forças Armadas Congolesas (FARDC) avisou aos políticos a não influenciarem os militares.

“Condenamos veementemente a campanha sediciosa engendrada nalgumas oficinas retrógradas bem identificadas visando desmoralizar o Exército, com o objectivo de opor os militares, uns aos outros”, advertiu em conferência de imprensa, o porta-voz das FARDC, general Léon Richard Kasonga.

O aviso do oficial-general congolês surge depois da polémica suscitada, na véspera, pelo secretário-geral da UDPS, Augustin Kabuya, partido de Tshisekedi, que acusou o ministro das Finança e membro da plataforma político de Kabila, de não estar a pagar os salários dos militares e da Polícia, com o intuito de provocar a sua revolta contra o Presidente Tshisekedi.

Segunda-feira, 09, num encontro com os militantes daquela formação política, o mesmo Augustin Kabuya acusou “um grupo de quadros da FCC, cujos nomes não cita, de ter vindo a Angola para preparar um golpe de Estado contra o Presidente Tshisekedi.

Terça-feira, 10, um dia depois das declarações do dirigente partidário congolês, uma delegação congolesa, chefiada por André Kambanda, ministro junto da Presidência congolesa, remeteu ao Presidente João Lourenço uma mensagem do seu homólogo cujo teor não foi publicado, mas, como disse à imprensa, visa reforçar as relações bilaterais.

Na sua vinda à Luanda, André Kambanda fez-se acompanhar do conselheiro para as questões particulares do Presidente da RDC, Biselele Kayimpagi, do embaixador itinerante da RDC, André Wanesso, e do conselheiro do Presidente Félix Tshisekedi, Gaston Kambwa Kambwe.

Acordo de coligação, generais kabilistas, presidente da CENI e juízes

Tudo começou quando, depois de eleito, a 30 de Dezembro de 2018, e investido no cargo de Presidente da República, a 24 de Janeiro de 2019, a plataforma CACH, de Félix Tshisekedi, assinou, em Março do mesmo ano, com a Frente Comum para o Congo (FCC), de Joseph kabila, um acordo secreto visando a formação de um governo de coligação, maioritariamente dirigido pela plataforma do antigo Presidente congolês.

É sabido que embora tenha ganho a presidencial, o CACH de Tshisekedi, apenas tem 50 dos 500 assentos na Assembleia nacional, contra os 350 de Kabila, que obteve uma maioria qualificada.

Segundo a Voz da América, numa emissão daquele mês e ano, durante a sua primeira visita à Namíbia, Félix Tshisekedi terá reconhecido, em conferência de imprensa, a existência do referido acordo, cujo conteúdo nunca divulgou, apesar de, na altura, Sindika Dokolo, então aliado do político Moise Katumbi, ter exigido, sem sucesso, que o fizesse.


Um ano e meio depois, isto é, em Maio de 2020, o antigo primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional, na altura secretário-geral da UDPS, Jean-Marc Kabund-a-Kabund, foi destituído das suas funções, com o apoio da maioria dos deputados da FCC, de Kabila.

Em 17 de Julho último, o Presidente Tshisekedi operou uma pequena, mas significante mudança nas forças armadas, afastando o antigo chefe do estado-maior, general Gabriel Amisi, e o general John Numbi, na altura inspector-geral das FARDC, todos nomeados por Joseph Kabila, em Julho de 2018, sem contudo tocar no chefe do estado-maior, Célestin Mbala.


Em meio a isso, o então ministro do Interior, Tunda ya Ksende, um pró Kabila, sem consultar o chefe do Estado, introduziu uma proposta de reforma da Justiça, irritando sobremaneira o estadista congolês, e provocando um desentendimento que culminou com o seu afastamento do governo.


Através da sua maioria parlamentar, a FCC tentou impor Ronsard Malonda, para o cargo de presidente da Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI), algo que provou manifestações de partidos políticos, da sociedade civil e das Igrejas, o que fez com que o Presidente Tshisekedi não promulgasse a sua eleição.


O vaso transbordou, quando, em Julho último, Tshisekedi nomeou três novos juízes do tribunal Constitucional.  

Relativamente a este caso, o procedimento, as iniciativas de indicação dos referidos juízes, pertencem ao Conselho Superior da Magistratura, ao Parlamento e ao Presidente da República.


Segundo o artigo 2 da Lei orgânica sobre a organização e o funcionamento do Tribunal Constitucional, e o artigo 158 da Constituição, cabe também ao Chefe de Estado nomear os magistrados da mais alta jurisdição do país. 

A FCC considerou inconstitucional a investidura, por Tshisekedi, dos três juízes nomeados por decreto presidencial, feito a 21 de Outubro de 2020, feito no Parlamento.


No acto, foram notórias as ausências dos presidentes da Assembleia Nacional, do Senado e do Primeiro-ministro, Sylvestre Ilunga Ilunkamba, todos membros da maioria kabilista. Embora a ausência não seja inconstitucional, Tshisekedi considerou o acto como uma afronta, principalmente do Primeiro-ministro, já que, na RDC, o sistema político é semi-presidencialista, onde o chefe de Estado é que preside às sessões do Conselhos de Ministros.


Assim, num discurso de seis minutos, Tshisekedi, vislumbrando a profunda crise que abala a coligação governamental, trouxe à publico as divergências existentes, e anunciou o início de consultadas políticas, visando a criação de uma “União Sagrada para a Nação”, uma actividade que já dura mais de 20 dias.


Desconhecem-se as consequências que podem advir das consultas em curso: mas, segundo Tshisekedi, “todos os cenários que estão na mesa são possíveis”. É para dizer que, na RDC, a procissão ainda vai no adro.

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